sexta-feira, 23 de maio de 2008

MUNDO VIRTUAL


Anda, vira de lado que você está roncando.

Dito isto, ela lhe da um safanão, fazendo com que ele mude de posição, parando de roncar.
Mesmo tendo conseguido cessar o barulho emitido por seu companheiro o sono não chega . Até a respiração dele a incomoda.

Será que ele poderia fazer o favor de parar de respirar, só até eu conseguir dormir – pensa ela, enquanto rola na cama tentando achar uma posição confortável .

Como o sono não vem, ela liga a televisão.Está começando o programa do Jô e sua atenção volta-se para as entrevistas apresentadas e para o apresentador.

Tudo naquele lugar parece perfeito, um mundo de sonhos, sem problemas.
As pessoas têm o riso solto e todos aparentam estar felizes, mesmo estando participando de um programa que se inicia durante a madrugada, hora em que a maioria das pessoas pensa em dormir .

Os convidados, a equipe do programa que está diante das câmaras esta noite, parecem viver em outro mundo, um mundo sem problemas. Ou será que são de plástico?

O Jô não envelhece, está sempre de bom humor e mesmo apresentando um tipo físico diferente do que a sociedade venera, ele é atraente.

Logo que vem este pensamento, ela olha para o lado e vê seu marido dormindo, com aquele calção velho, desbotado.Sua barba está por fazer, piorando o quadro, e a barriga, que não é pequena, pula para fora do calção. Além disso tem o bafo, que mesmo dormindo se pode sentir. É um bafo de álcool que impregna o local.

Sem querer, pois é algo que está além de seu consciente, nesta hora ela faz a comparação. Sacode a cabeça, de um lado para o outro, para afastar seus pensamentos mais íntimos, pois reconhece que a visão que tem ao seu lado não é das melhores . Como diria seu grande amigo, é uma visão dos infernos. Para se distrair ela passa a observar o entrevistador, tentando o imaginar no lugar de seu marido, usando a mesma roupa, na mesma posição.Não consegue.

É difícil imaginar um artista tirando meleca do nariz, indo ao banheiro ou saltando um pum daqueles altos.Imagine então vê-lo usando um calção velho, com barba por fazer e cheirando a cerveja, resultado de um happyhour em um bar da esquina. È, não da para imaginar.Parece que eles acordam perfeitos, sem cara amassada, sem chulé, sem cheiro.É como se eles fossem bonecos, que ficam na vitrine esperando serem vistos e invejados por muitos.

Não foram crianças, não brincaram, não ficaram doentes. Já nasceram ou foram feitos assim: grandes, belos e bem sucedidos, para ser objeto de desejo.

-A televisão é assim, tem o poder de transformar as pessoas em objetos de desejo - e com este pensamento ela pega o controle remoto,desliga a televisão, abraça seu marido, dando-lhe um beijo carinhoso na face, deita e tenta dormir.